terça-feira, dezembro 30, 2003

Koba.

Acabo de ler Koba, o Terrível de Martin Amis. E volto às palavras com que Amis o abre:

“Eis a segunda frase de The Harvest of Sorrow: Soviet Collectivization and the Terror-Famine (A Ceifa da Dor: A Colectivização Soviética e o Terror-Fome), de Robert Conquest:
«No caso presente, podemos pôr isto em perspectiva se dissermos que nos actos aqui registados se perderam cerca de vinte vidas humanas, não por cada palavra, mas por cada letra deste livro.»
Esta frase representa 3140 vidas. O livro tem 411 páginas.
«Comia-se estrume de cavalo, em parte porque muitas vezes continha grãos inteiros de trigo» (1502 vidas)”

O livro continua. Letra a letra.

Já tinha lido sobre a ” perfeição negativa” - como Amis chama à vida durante o regime de Estaline. Já tinha lido longas passagens do Livro Negro do Comunismo e a lúcida reflexão de José Pacheco Perreira que constitui o prefácio à edição portuguesa. Já tinha lido Um dia na vida de Ivan Denisovitch de Soljenitsine, sobre o qual, Varlam Chamalov, autor dos Contos de Kolima – Kolima foi um dos mais duros campos soviéticos – sobre o qual Chamalov disse “poderia ter passado uma vida inteira muito feliz num campo descrito em Um dia na vida de Ivan Denisovitch” e este livro já é uma definição do horror, da ausência de luz. Já tinha lido Mil Novecentos e Oitenta e Quatro de Orwell... já tinha lido, o que é significativamente diferente de conhecer. Já tinha lido mas não foi suficiente, acho que nunca o será. A bestialidade é muito grande, não tem fim. A bestialidade surpreende a cada vez.
A crítica a Koba de Amis não é consensual. Pode ler alguma aqui. Mas para ser sincero pouco me interessa. A crítica a koba, a Estaline ainda não está completa. Faltam, pelo menos, quatorze letras: Correia do Norte.
Faltam muitas mais. Um dia havemos de as juntar, para ler o horror. A bestialidade surpreende a cada vez.

terça-feira, dezembro 02, 2003

Às vezes.

Às vezes não se tem nada para dizer. Para acrescentar. O que os sentidos nos trazem logo levam, às vezes.

quinta-feira, novembro 27, 2003

Encantar, cantando.

É já este Sábado, dia 29, às 23h00, que a Marta Hugon vai cantar no Hot Clube. Com o Filipe Melo ao piano, o João Custódio no contrabaixo e o Marco Franco na bateria. E comigo, deslumbrado, entre o público.

quarta-feira, novembro 26, 2003

Rir é o melhor remédio.

“Era uma vez um palhaço que ao olhar pela janela de um Hospital viu lá dentro uma criança. Posso entrar? Em Setembro de 1993 após ler um artigo sobre médicos palhaços que visitavam crianças hospitalizadas nos EUA, Beatriz Quintella decidiu desenvolver um trabalho como palhaço voluntário em vários hospitais na região de Lisboa. A experiência foi fascinante e à medida que pesquisava descobriu outros grupos por todo o mundo que desenvolviam programas nesta área. Após visitar o Big Apple Clown Care Unit em Nova York e os Doutores da Alegria no Brasil convidou Bárbara Ramos Dias e Mark Mekelburg para juntos criarem um projecto de animação de crianças hospitalizadas em Portugal. Em Setembro de 2001 graças ao apoio financeiro da GlaxoSmithKline, este projecto assume um carácter profissional. No dia 4 de Junho de 2002, é constituída uma Associação sem fins lucrativos denominada Nariz Vermelho – Associação de Apoio à Criança, que tem como projecto principal a Operação Nariz Vermelho.”, como se pode ler aqui. Hoje estes doutores especias visitam o Hospital Dona Estefânia, o Hospital Santa Maria, o Instituto Português de Oncologia e o Hospital São Francisco Xavier e enchem-nos de alegria. Hoje, todos podemos ajudar. Veja como aqui. Ou compre por apenas 2€ o CD de Natal da Leopoldina em qualquer Continente, Modelo ou Worten e contribua para esta causa. Hoje.

terça-feira, novembro 18, 2003

A farmácia.

Na parte de trás da farmácia dos meus pais começava o que durante muitos anos foi o meu mundo. Um degrau valente da altura de dois e uma estante em “L” cheia de remédios separava-o do balcão e das conversas quase sempre sérias, obrigatoriamente à volta das doenças do dia e do bairro. A estante em “L” dava para uma sala forrada de mais estantes forradas de mais remédios, em que cada espaço estava minuciosamente aproveitado até ao tecto. Lá no alto arrumavam-se os últimos remédios. Quando na sala das estantes, o meu pai subia ao pequeno escadote para lá do alto tirar um remédio, o tempo demorava-o sempre um pouco mais. A sua bata alva e sem mácula dançava sobre os meus olhos e libertava um lento murmúrio que descia pelas paredes. Era a preçe de um homem que sem fé pedia para que aquele não fosse o último remédio. Para a pessoa que eu corria a espreitar. De dia, na sala das estantes só haviam remédios e silêncio, aí a minha existência acontecia em segredo, não se podia fazer barulho que não se ouvisse lá na frente, ao balcão. A sala das estantes tinha duas portas contíguas, uma para o escritório, onde raramente entrava, e outra para a cozinha de mármore adaptada a laboratório. No laboratório, como o meu pai fazia questão que se dissesse, estavam duas das coisas de que eu mais gostava: a possibilidade de sempre que não chovia ir para o quintal das traseiras, onde o meu pai tinha plantado uma árvore de borracha no meio de meia tonelada de areia que lá se mandara colocar para eu brincar e que fazia as delicias dos gatos das redondezas. E as caixinhas. No quintal brincava eu, no laboratório brincávamos os dois. As caixinhas redondas de plástico branco eram dos meus brinquedos preferidos. E eram inesgotáveis. As caixinhas de plástico, eram dadas pelo meu pai e pela minha mãe aos clientes que encomendavam remédios que a indústria não fazia ou não fazia em quantidade. Gostava de ver o meu pai a engrossar a pasta de um lado para o outro com a sua espátula sobre a extensão de pedra-mármore, depois de a ter pisado no almofariz. No laboratório, as embalagens dos mediacamentos davam lugar a muitos frascos e frasquinhos de vidro, todos devidamente etiquetados, uma vez que os potes antigos de porcelana estavam na parte da frente da farmácia a cumprir uma nova função. Faziam do lado de dentro o que o letreiro preto com as letras abertas a ouro fazia para a rua: davam-lhe o ar de uma farmácia tão pequenina como simpática. Os meus brinquedos, as caixinhas, eram vendidas pelo meu pai e mãe de formas diferentes. O meu pai com um aperto de mão e um curto “as melhoras, sim?”. Já a minha mãe prolongava a entrega do remédio até deixar o meu pai doente. Não o fazia de propósito ou porque pensasse que estava a dar os meus brinquedos, mas porque não o sabia fazer de outra forma. Entregava os remédios conversando. Até muito tarde o meu pai achou que enquanto ele aviava cinco clientes, a minha mãe falava, falava apenas com um. Até muito tarde, o meu pai não soube compreender que os muitos e rápidos clientes que ele aviava só iam àquela farmácia por já terem conversado com a minha mãe. A minha mãe, que ontem fez 77 anos e já não poderia vencer o degrau valente da altura de dois, ainda é o meu remédio, a minha caixinha.

sexta-feira, novembro 14, 2003

Contra a violência contra as mulheres 2.

Não resisto a contar o anúncio de imprensa.

No portão de uma banal moradia, a placa "Cuidado com o Cão" foi substituída por uma outra: Cuidado com o marido.

quinta-feira, novembro 13, 2003

Contra a violência contra as mulheres.

Há uns meses atrás, a Gabi, o Jorge e com certeza muitos de nós, demos com uma notícia de jornal cujo título dizia: “Em Portugal, a violência doméstica mata cinco mulheres por mês”. Ficámos chocados porque não sabíamos, não imaginávamos. No seu corpo, a notícia prosseguia violenta: na Europa, a violência doméstica é a principal causa de morte e invalidez entre mulheres dos 16 aos 44 anos, ultrapassando doenças como o cancro e os acidentes de automóvel, e uma em cada cinco mulheres é vítima, pelo menos uma vez na vida, de agressões no espaço doméstico” (segundo um estudo do Conselho da Europa). Depois do choque, a Gabriela Hunnicutt, o Jorge Barrote, a Raquel Coimbra, o Papi e toda uma equipa da J. Walter Thompson fizeram alguma coisa. Uma campanha de imprensa, rádio e televisão, assinada pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, para assinalar o Dia Internacional Contra a Violência Contra as Mulheres, que se comemora já no próximo dia 25 de Novembro. Para assinalar o dia, mas não só. O dia apenas vai servir de pretexto para colocar o dedo na ferida e a ferida na agenda da actualidade. A campanha vai dizer a todos os portugueses, vítimas incluídas, que a violência doméstica já é um crime público que todos temos o dever de denunciar. O ar do tempo que todos os dias respiramos faz-nos constatar que somos sujeitos a overdoses de estímulos e que, em consequência, é cada vez mais difícil à publicidade mudar comportamentos. Por essa razão, esta campanha não é uma campanha qualquer. É uma campanha dura, muito dura. Os anúncios podem chocar – vão chocar muita gente - mas nunca mais do que a própria realidade. Deixo imediatamente abaixo o texto do spot de rádio – um dos melhores que até hoje ouvi – de uma campanha que poderá ver, ouvir e ler já a partir de Sábado, dia 15.

“Uma voz masculina - com o eco próprio de uma igreja e a sinceridade do momento - diz em primeiro plano:

V.M.: - EU, ANTÓNIO JOSÉ, PROMETO ESMURRAR-TE E HUMILHAR-TE,
ATIRAR-TE AO CHÃO E DAR-TE PONTAPÉS, NOS MOMENTOS DE RAIVA E DE FÚRIA, SEM DÓ NEM PIEDADE, DURANTE TODOS OS DIAS DA MINHA VIDA… ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE.

Neste momento, uma voz de companhia feminina explica:

V.C.: - CINCO MULHERES MORREM TODOS OS MESES EM PORTUGAL VÍTIMAS DE AGRESSÕES. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA É CRIME PÚBLICO. TODOS TÊM O DEVER DE DENUNCIAR.

25 DE NOVEMBRO. DIA INTERNACIONAL CONTRA A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES. APOIO: APAV. ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE APOIO À VÍTIMA. “

Como nos diz a APAV, “ao contrário do que se pensa, a agressão física não é a única forma de violência. Muitas mulheres são intimidadas, ameaçadas, sofrem privação económica, além de agressões psicológicas e sexuais. E uma vez que a violência começa, tende a piorar e a tornar-se cada vez mais mais frequente. Muitas vítimas não denunciam por vergonha, outras por princípios religiosos, mas a maioria tem medo. O que muitos não sabem é que a violência doméstica agora é crime público, por isso não é necessário que seja a própria vítima a fazer a denúncia. Qualquer um que tenha conhecimento de um caso, dentro ou fora da família, também pode e deve denunciar. A APAV – Associação Portuguesa de Apoio à Vítima - tem um número de denúncia que funciona de segunda a sexta, das 13h às 19h: 707 20 00 77.”

Para mais informação, visite a APAV, conheça o II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica e leia a opinião de um especialista.

segunda-feira, novembro 10, 2003

O riso da Maria.

A minha filha sorri pouco e, na dúvida, ainda bem. Quando ri, a Maria ri com os olhos e o pescoço e o corpo inteiro, deixa-se ir e arrasta-me, perde forças, todas as forças que eu ganho, que recupero para mim imeditamente ali, como se o seu riso fosse um acrobata que alto e a bom som salta de um trapézio para outro, mesmo se muitas vezes nos rimos, sem saber do que rimos, de coisas diferentes, o riso continua dobra-se e desdobra-se em gargalhadas consecutivas, numa só. Já não é um riso completamente inocente, é já um jogo, que me lembra a inteligência da mãe. A mãe que todos os dias, mostrando-lhe qualquer coisa nova, lhe arranca um oh! de surpresa, um oh! tão verdadeiro que não conseguimos conter uma gargalhada e ela de volta inunda-nos com as dela. Que a Maria nunca sorria podendo rir.

sexta-feira, novembro 07, 2003

Jazztel

Bar Projecto Jazz em Pombal, hoje e amanhã: a partir das 23h00 pode ouvir a voz de Marta Hugon, o piano de Filipe Melo e o contrabaixo de João Custódio a interpretarem standarts de jazz.

Júlio de Matos, dia 18 deste mês: às 22h30 pode ouvir os Four & More, grupo composto por Mário Monteiro na guitarra, João Gomes - dos Cool Hipnoise e Space Boys - nas teclas, Pedro Pinto no contrabaixo e João Lencastre na bateria acompanham a voz de Marta Hugon.

E lá para o fim do mês, está confirmado, a Marta vai ao Hot Clube cantar e encantar. Lá estarei. Assim que souber a data...

quarta-feira, novembro 05, 2003

Bloguitica.

Paulo Gorjão decidiu acabar com os Bloguitica Nacional e Internacional e criar um único blogue, o "Bloguitica", cujo link está já aqui mesmo ao lado. A sua leitura é, ao mesmo tempo, um prazer e uma obrigação.

terça-feira, novembro 04, 2003

Cara a Cara.

A não perder. Aqui.

quarta-feira, outubro 29, 2003

Estranhos de passagem.

A câmara não se sente. A indignação sobrepõem-se ao género, ao thriller e sacode-nos. Stephen Frears filmou a vida, a vida de dois imigrantes em Londres. A cidade que nos é dada a ver é muito mais suja e extravasa os seus postais, na verdade, poderia ser qualquer outra, uma vez que Londres ficou uma cidade anónima. Anónima como a vida, a subvida das pessoas que fazem um trabalho que não vemos, que nos fazem as camas nos hoteis ou que limpam as secretárias dos edifícios em que trabalhamos horas antes de lá chegarmos. Nós nunca estamos lá para as ver. São gente que trafica mercadorias ilícitas, como elas próprias, como os orgãos dos seus próprios corpos. Gente que vive a morrer devagar, que não vemos. Que insistimos em não respeitar porque não vemos. “Estranhos de Passagem” é um filme muito triste, muito bonito.

Na Europa, a questão da emigração já não é nova mas é de hoje. Todos o sabemos: não é um problema de resolução fácil e está longe de ser consensual, mas a todos diz respeito. À direita, a estupidez e a ignorância está bem patente: a xenofobia (sob a capa do medo) chegou ao poder. À esquerda, outros populismos perigosos e cegos, teimam em não perceber, em primeiro lugar, as razões pelas quais, por exemplo ainda na semana passada pelo menos 13 africanos perderam a vida em pleno Mediterrâneo na sua desesperada tentativa de chegar à Europa. Fugiam de uma prematura morte certa, a que a miséria do seu país de origem os tinha condenado. Acolher e integrar imigrantes significa, antes de mais, conceder-lhes os nossos direitos mas também os deveres. Significa respeitar todas, sublinho todas, as suas especificidades de toda a natureza que não colidam com as regras pelas quais vivemos em sociedade. Mas não só, porque pura e simplesmemte não é possível abrir as fronteiras. É preciso combater a pobreza na sua origem. E de forma completamente diferente da que temos feito até aqui. Para começar a ajuda tem que ser necessariamente maior. Mas sobretudo deve ser melhor. A cada cêntimo de ajuda deveria corresponder um cêntimo para verficar e garantir a boa aplicação do primeiro. Sobre este assunto, a Europa podia e devia, pelo menos por uma vez, olhar para os Estados Unidos. E acredito, está aberta a polémica no isqueiro. “Estranhos de Passagem” de Stephen Frears é a Europa ao espelho.

Lucidez.

Por meia hora voltei a acreditar – seguramente muito mais do que acredito hoje em dia – que há homens e mulheres excepcionais. Falo sobretudo de políticos. Admiro Mario Vargas Llosa, escritor, jornalista e professor universitário peruano que ainda há uns anos atrás não hesitou em concorrer às eleições presidenciais no seu país. Gosto muito do que escreve e revejo-me em grande parte do seu pensamento. Na 5ª feira passada na RTP 1, Vargas Llosa respondeu com inteligência às perguntas pueris e desemxabidas de Judite de Sousa. Cito de memória duas respostas. Sobre ideologias: “A utopia é qualquer coisa de extraordinário mas é péssima e perigosa em termos colectivos. A utopia é individual, não pode ser exterior ao indivíduo”. Sobre o acto de escrever: “Tenho mais prazer em reescrever do que em escrever, pela primeira vez.”

sexta-feira, outubro 24, 2003

Onde começam os fins de semana?

Numa tosta mista aparada com manteiga por cima. No ruído das chavenas a serem empilhadas em cima da máquina do café. Nas conversas à volta das mesas que dão vida às letras impressas nos jornais do dia. No instante em que dou comigo a pensar que na simples leitura de um jornal começa a democracia. E que, para o bem e para o mal, a democracia também é um hábito. Na consciência da minha e nossa situação de privilégio. E no prazer em sentir que as conversas continuam à volta das mesas a dar vida às letras impressas nos jornais do dia. No sítio do costume. Na Ertilas, em Campo de Ourique, tenho a certeza que o fim de semana começou.

Este fim de semana vai começar com o país a arder, novamente.

sexta-feira, outubro 17, 2003

Wordsong, Al Berto

“les mots
les motsfruits les motsjus les mots à mordre les mots à tordre les mots à jouir les mots à cuire les mots voyage… »
Todas as palavras na voz de Pedro d’Orey. Todas as palavras na voz e no piano de Jorge Palma. Ficam para a memória.
Ontem no CCB.

quinta-feira, outubro 16, 2003

E agora

Vou aqui. Para ler de outra forma.

Fatias de Cá

Há sensivelmente dois anos, vi pela primeira vez uma peça do grupo de teatro Fatias de Cá. Corto Maltese ganhou vida numa velha e abandonada distilaria na Brogeira, junto a Torres Novas. A peça foi-nos levando – público confundido com actores - por salas diferentes ao centro da história, cada sala, cada cenário um conjunto de pranchas da personagem maior de Hugo Pratt. “Concerto em Ó Menor para Harpa e Nitroglicerina” era o nome da peça, encenada por Carlos Carvalheiro, e que tinha no livro “As Célticas” de Pratt a base do seu texto. A encenação resultou numa fórmula despretensiosa de fazer de banda desenhada, teatro. Gostei muito.O Grupo Fatias de Cá, que começou em Tomar em 79, tem andado a levar o teatro e todo o seu encanto por esse país fora e a levar de volta esse país fora para dentro de espaços esquecidos do nosso património. Reunir actores profissionais e amadores é apenas outra das singularidades deste projecto que vale a pena seguir. O grupo chegou agora a Lisboa e leva à cena no Castelo de São Jorge a peça “Diálogo das Compensadas”. Vi e não gostei. E escrevo-o assim porque trabalho que têm vindo a fazer merece todo o meu respeito e sinceridade. O texto de João Aguiar e a sua adaptação mais parece um panfleto. E dos fáceis. Se quiser formar a sua própria opinião sobre esta e todas as outras inúmeras peças actualmente em cena, entre em contacto com a central de reservas do grupo:
- tel.:249 314 161; fax:249 313 857; fatiasdeca@oninet.pt. E já agora, ainda em Lisboa, o grupo Fatias de Cá tem em cena "Comissão de Festas" de Alan Ayckbourn, na Casa do Concelho de Tomar.

Dois dias depois do “Diálogo das Compensadas” fui ao cinema ver "Good Bye, Lenin" de Wolfgang Becker. E gostei, diverti-me. Acho que não devemos perder a capacidade de brincar com os erros. Mesmos com os mais graves, mesmo se corremos o risco de os banalizar. Se não pudermos brincar, com inteligência, é porque não aprendemos nada.

quarta-feira, outubro 15, 2003

A minha praia do Porto 2

Descobri Ofir tarde, há uns cinco anos, mas é como se em criança lá tivesse passado muitas férias grandes. É sempre com pena que deixo Ofir. As Clarinhas e as Francesinhas, guloseimas da Nélia. O vento da praia no Inverno de uma aventura dos famosos Cinco. O pinhal encantado de um conto dos irmãos Grimm. As casas como as de uma historinha do Noddy. As recordações. E a possibilidade de fazer amigos depois dos 27 anos. Como se fossem amigos de infância. É sempre com alegria que regresso à nossa praia do Porto.

A minha praia do Porto

À minha frente noite. A estrada toda é igual. O vento manso. Mas a pressa entra pela fresta da janela do carro, a pressa é um vento com fúria e depressa o tracejado da estrada fica contínuo. Uma linha de branco no preto. Divide a estrada ao meio. Não a separa da noite, subtil curva que não acaba. Como a luz mortiça que ilumina pendurada as duas faixas da estrada. E a velocidade traz o sono ao lado no lugar do morto. Já não retiro prazer da condução. A céu aberto muita estrada me separa de casa, de um pouco de céu. A viagem é de alcatrão.

É sempre com pena que deixo a praia de Ofir.

terça-feira, outubro 14, 2003

Acontece

A irregularidade na produção de escrita é tal que já venho ao isqueiro como se não fosse o meu blog. Para ver se este ainda aqui está, para ver se alguém teve a gentileza de escrever por mim. Mas não desisto. Não tenho razões, não deixo a pressa entrar aqui.

sexta-feira, outubro 10, 2003

O Tamanho.

O meu amigo João Viana escreveu-me de Leuven, Bélgica, para onde voltou a estudar, agora gestão. A sua pequena estatura – com a qual volta a brincar logo no princípio do mail - nunca o impediu de mostrar a sua enorme e rara capacidade de sonhar, de criar e de fazer acontecer. A distância faz crescer a saudade e a lucidez que o levam a perguntar:

“Ser Português é talvez o elemento mais diferenciador que tenho aqui na minha classe: são todos espertos, inteligentes, altos e "bonitos" mas nenhum é português...o que à partida me permite ser uma marca "on my own". Hoje (terça-feira), o conceituado jornal Financial Times tem uma secção só sobre Portugal e que estranha mas simultaneamente agradável sensação foi ver o nosso Marquês na primeira página. De repente todos os colegas me chamaram a atenção para a notícia e pude ver reflectido nos seus olhos o meu orgulho em "ser" Português. Somos pequenos? Não! Certamente que não...mas a verdade é que achamos que somos, o que nos cria um problema, achamos sempre que temos de nos esforçar para sermos maiores, o que logo nos cria outro problema e na verdade apenas nos afasta do nosso "core business”, ou seja, sermos genuínos. Então o que somos?

Um abraço do tamanho da distância, João Perre Viana”

Assim, nesta formulação, já há na pergunta, uma parte da resposta. Concordo contigo, João, de pouco importa o tamanho...pelo tamanho. Já fomos pequenos, o que nos levou a ser grandes, e de novo pequenos. Pequenos mas bailarinos.

Não encontrei o dossier do FT sobre Portugal na rede mas fique descansado, passei os olhos sobre a versão portuguesa que o DE fez e não se perde muito.

Baixa Pombalina.

Tudo ou quase sobre a Baixa, agora aqui e sempre ali ao lado, nos links.
"Serei sempre da Rua dos Douradores como a humanidade inteira." escreveu, no Livro do Desassossego, Bernardo Soares, "um ajudante de guarda-livros trabalhando na baixa pombalina" na explicação de Fernando Pessoa para o seu semi-heterónimo.

sexta-feira, outubro 03, 2003

Conversas à mesa.

Uma boa refeição é a que se dá o tempo de se transformar em conversa. E os mais velhos ainda vão ensinando os mais novos. Ontem aprendi que, na década de 70, Juan Domingo Perón fez passar uma lei estranha, proibindo que o custo, que as despesas de publicidade fossem incluídas na margem dos produtos, logo, no preço ao consumidor. Com a brincadeira, o ditador argentino pretendia controlar os meios de comunicação de massas, na altura, a televisão, a rádio e a imprensa. O que levou muitos publicitários argentinos a deixar o seu país – claro que não faltavam outros motivos - e a levar a sua capacidade criativa para outras paragens. As ditaduras, todas sem excepção, sempre temeram o comércio. Após uma rápida procura na rede das redes, aqui deixo as palavras e o raciocínio - hoje em dia quase a roçar o politicamente correcto - de Perón pouco antes da sua morte: "En todos los tiempos de nuestra comunidad, ha sido un principio que nunca la información, la cultura y el desarrollo cultural del país estén en manos de particulares. A nadie se le hubiera ocurrido poner la educación en manos de particulares, como tampoco a nadie se le hubiera ocurrido entregar a manos de sociedades anónimas el funcionamiento y marcha de nuestras universidades. De la misma manera no puedo yo explicarme que la TV, que es un organismo preponderantemente cultural, que entra en la casa de todos los argentinos sin pedir permiso a nadie pueda estar en manos de quienes defienden otros intereses que no son los puros intereses de la comunidad" (28.5.74). Um outro chibo em festa, como disse Mario Vargas Llosa.

A conversa foi acompanhada de uns rins grelhados, no Fumeiro, mesmo no centro de Abrantes, no nº9 da Rua do Pisco. Se perguntar, toda a gente lhe devolverá, sem hesitações, o caminho para uma conversa certa.

quarta-feira, outubro 01, 2003

O último Português Suave.

E no que me diz respeito ficou, mais ou menos, tudo dito. Aqui.

Ainda de Paris.

“Poète, écrivain, critique, mais aussi cinéaste, dessinateur, acteur de la scène musicale française, Cocteau déploie, des années 10 aux années 60, une activité diverse et féconde”. Até 5 de Janeiro do próximo ano, em restrospectiva no Centre Pompidou. Comece por aqui. A exposição “Jean Cocteau, sur le fil du siècle” dá-nos uma perspectiva nova sobre o processo de contágio da modernidade. Por dentro. Cocteau é um homem da renascença, moderno.
O Beaubourg, como é tratado com um informal carinho pelos parisienses, oferece-nos do sexto piso uma vista caleidoscópica da cidade. E o seu restaurante Georges não é apenas uma normal cafetaria de museu, razão pela qual, desde que surgiu há pelo menos dois anos, pode ser, após uma exposição, local de conversa e prazer obrigatórios.


segunda-feira, setembro 29, 2003

De Paris.

O Outono caiu no chão das ruas de Paris. A temperatura está excepcionalmente amena. Aos poucos, vou recuperando uma cidade que já foi minha por quase um ano. No taxi, os olhos fazem o percurso de sempre, vão para cima. São atraídos, não pela monumentalidade dos edifícios do Império, mas pelos jardins dos seus terraços, pela mistura do barro frio, ardósias e zinco dos seus telhados, pelo número excessivo das suas chaminés, uma lareira por quarto. Os olhos, os homens, não resistem à possibilidade de comtemplar uma cidade de uma ponta à outra, como um todo. E Paris tem ainda hoje a visionária geometria que Hussman lhe concedeu para triunfo do engenho sobre as circunstâncias. Nesta cidade sempre me senti bem e sempre fui tratado com genenosidade. Contra os preconceitos em que cresci, os amigos que aqui fiz abriram-me as portas das suas casas, dos seus interesses, paixões e tristezas. É aqui onde ainda acabo um almoço tarde já muito perto do jantar. Mas foi em Paris que acordei muitas manhãs longe. Cada vez que aqui volto, há um vento interior que me balança e que me traz à memória gente que fui perdendo. Por todos os lados, na minha vida. Por essa razão sou distraído, para não sofrer muito.

sexta-feira, setembro 26, 2003

Portugues Suave 3.

Agora foi o nome, roubaram o "Suave", roubaram a graça, roubaram tudo. Caramba, os avisos eu compreendo e respeito, ja isto nao. "Português Tranquilo", fica a sugestao.

Bon

é o restaurante, com uma intervençao gotica de Philippe Starck, onde ontem jantei. Fica no seizième, na rue de la pompe, 25 em Paris. E aqui. Vale a pena, faz jus ao nome.

Suicidio

de amor por um defunto desconhecido de Angélica Liddel estreia hoje, pela mao do grupo altaCena, na centenaria Guilherme Cossoul, onde vai ficar durante algum tempo, todas as sextas e sabados, as 22h00. A Guilherme Cossoul fica ali em Santos, no 61 da D. Carlos I. Para saber mais sobre a peça, veja aqui. Para saber tudo, va la.
E nos com eles, com muito carinho. Longe dos amigos e dos acentos.

quarta-feira, setembro 24, 2003

A primeira de muitas desculpas.

Não consegui ainda escrever nada sobre o que vi em Veneza, de onde ainda não saí do aeroporto. Gostava de falar sobre duas exposições da Bienal, por exemplo. Ou de aqui afixar uma foto - ainda não descobri como se faz - roubada à manhã agitada do mercado de Pádua. E já estou de partida para Paris. Vou tentar. É assim, não há muito mais a dizer. Um blog pode virar uma angústia, mas não deve. A disponibilidade, a vontade e a oportunidade vão fintar, muitas vezez, a cronologia.

Escrever sobre Veneza, cidade onde Thomas Mann previu e Visconti filmou a decadência da Europa, nem pensar. Já sobre a velha Europa ou a velha decadência da Europa apetece-me muito. E Paris pode ser um bom local para o fazer. Promessas.

terça-feira, setembro 23, 2003

De Veneza 2, os aeroportos.

Lisboa-Milão-aeroportos-tempos-mortos-Veneza. Quando era miúdo, os aeroportos, o de Lisboa era o único que conhecia, eram um local especial. Os meus pais obrigavam-me a vestir uma roupa melhor para aí ir levar e buscar a minha irmã mais velha (mais velha mesmo) que, por amor à Microbiologia, se deslocava frequentemente ao estrangeiro, que só mais tarde aprendi ser Paris. Dos aeroportos e das minhas irmãs, pais e tios que a estes chegavam, recebia brinquedos que nem sabia existir: comboios que entravam nas montanhas, autocarros ingleses de dois pisos de vermelho vivo, lápis gigantes de várias cidades do frio da Europa. Recordo-me da admiração que sentia pelo meu pai que duas palavras simpáticas com o guarda depois conseguia ir buscar a minha irmã “lá dentro”, às bagagens. Lembro-me ainda de brincar no chão enorme e espelhado de luz e lembro-me das hospedeiras e de uma em particular, a P., amiga da minha irmã. Muito, muito bonita e sempre aprumada na pintura e farda, cujas listas verde, encarnada e amarela começavam na mala e acabavam na parte de trás dos sapatos. A cada visita os aeroportos estavam sempre cheios das cores e sons genuinamente novos: dos perfumes, dos dois toques que precediam os avisos em inglês que ecoavam dos altifalantes, dos motivos dos lenços e gravatas, de doces e dos papeis de embrulho-prata dos bombons. Doces, muitos doces entre algumas lágrimas que também via mas não entendia. Deixei de gostar de aeroportos quando descobri que já não era só o amor à ciência que retinha a minha irmã, por períodos cada vez mais longos, em Paris, por onde ainda hoje continua a ser feliz. Hoje sei que os aeroportos são locais pasteurizados, feitos com um sono anónimo, de passagem. De pressa ou de uma espera estúpida, que nos obriga a reparar que as plantas, as luzes, os luxos e os tectos são falsos. E as hospedeiras, as hospedeiras de hoje parece-me que usam sempre o número de farda abaixo e o número de pintura acima. Com os aeroportos aconteceu mais ou menos a mesma coisa: não souberam envelhecer. As expectativas não crescem com a idade, connosco, as boas recordações sim.

segunda-feira, setembro 22, 2003

Dos amigos, para ler devagar.

A Bloca, uma amiga, dando-me a ler um texto de um amigo seu, fez-me um favor. Ela avisou-me no mail que me enviou:
“Este meu queridíssimo amigo escreve, escreve-me e deixa-me sempre um bocadinho mais feliz.” E prescreveu-me o seguinte “Modo de preparo:
-Reservar 5 min.
-Desligar o telefone
-Acender um cigarro
-Ficar molinho e deixar entrar devagar....”
O seu amigo e autor do texto é Márcio Mendes Gomes, médico, brasileiro. E o texto começa assim.

"Réquiem do caminhão-pipa

Manhã de sábado, era um sol quase dez horas. Chegava eu à Casa de Arnaldo, prédio da faculdade de medicina da USP, para assistir à palestra do professor Aziz Nacib Ab'Sáber. Atrasado adentrei a sala e, da arquibancada plena, olhos em mim não se deitaram. Os alunos de segundo grau de escolas públicas trocavam as horas livres pela admiração do pensamento livre do quase octagenário mestre que conheciam apenas das legendas de seus livros de geografia. Qualquer que seja o mote, clima, solo ou vegetação, o mapa nacional alberga seu sempre signatário de origem árabe. A oportunidade lhes era oferecida pelos incansáveis organizadores do cursinho pré-vestibular med-ensina, alunos do curso de graduação em medicina que se dispõem, sem remuneração, a ministrar o curso preparatório nas suas raras horas vagas.

Eu, médico formado naquela casa, levava comigo o livro "Litoral do Brasil", obra do além de tudo geógrafo que nos iluminava do tablado. Tratava-se de uma lembrança que enviaria ao Dr. Hans Japp, conselheiro da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação em Brasília, e à sua esposa Lúcia, filósofa e estatística, com os quais eu trabalhara e deliciosamente compartilhara prosas frívolas e filosóficas. O casal Japp alimenta especial interesse pelas ciências humanas e naturais, tendo construído por iniciativa e recursos próprios uma reserva ecológica na região de Portobelo, litoral catarinense, onde proporcionam, contra tudo e contra todos, preservação da flora e educação ambiental, para tudo e para todos.

A minha estória com o professor Aziz, começou no segundo grau, quando frente àqueles mapas complexos me deparei com seu nome, que de tão árabe, me causou estranheza. Me perguntava como uma pessoa, que nem brasileira me soava, sabia tanto acerca de nossa acidentada terra brasilis. Guardei seus nome e sobrenomes, não por capricho, mas apreço, que aumentava a cada vez que uma sua obra por mim passava. Já na universidade, soube de um contemporâneo de nome Alexandre seu sobrenome Ab'Sáber e descobri ser ele filho do professor. Apesar de orgulhoso, ele estava antes surpreso da minha satisfação, pois seu pai jamais havia freqüentado flashes, spots ou literatura médica. Anos mais tarde, quando me decidi como agradeceria ao Dr. Hans, procurei meu colega para finalmente conhecer o professor e dele roubar dedicatória. Foi quando a palestra apareceu e à qual voltamos.

Mais do que ninguém, o professor Aziz sabe da ilusória altura do conhecimento não compartilhado, assim como conhece a inutilidade da comunicação que não atinge o interlocutor, e então fazia da aula uma conversa informal, na qual, através da formação do solo e do clima no Brasil, transmitia valores fundamentais para a formação global do indivíduo e de uma sociedade justa. Sem pretensões de sábio, incutia na cabeça de cada aluno, não de forma doutrinária, mas exemplar, valores de cidadania. A sua presença naquela sala, objetiva e simbolicamente, esbanjava responsabilidade social. Sua postura igual, desprovida de soberba e elitismo, contrastava a classe dominante que se tem com a que se quer. Remontando aos tempos do início de sua atividade acadêmica, falou com reverência crítica aos mestres estrangeiros, consecutivamente estimulando a auto-estima ao afastar a subserviência científica e pessoal, quando defendeu suas próprias hipóteses que contradiziam os mestres além-mar e que se mostraram corretas. Afirmando valores democráticos, se aproveitou sutilmente da contemporaneidade de sua produção científica com a ditadura para criticá-la, de forma aguda mas não revanchista, atacando-a em seu ponto mais indefensável: o aprisionamento de idéias. Desenhando a giz o Pão de Açucar no quadro negro, exibiu a importância da multidisciplinaridade nas ciências e transpôs este conceito para a sociedade civil ao falar de maneira próxima e respeitosa do "meu amigo Lula", criticando seu governo positiva ou negativamente, mas sempre qualificadamente, e escancarando o lado mais louvável da democracia: o debate de idéias. Das críticas às políticas assistencialistas extraiu a natureza libertária da educação como agente de transformação da sociedade. Olhos nos olhos dos estudantes, completamente extasiados, sem pieguice ou demagogia, mostrou-lhes que eles serão fundamentais nesta transformação, não por bravatas patrióticas toscas, mas apenas lhes atribuindo responsabilidade ao exigir que eles assumissem seu papel como seres políticos, como cidadãos. En passant, geografia. O professor fez o que raros no exercício do magistério sabem fazer: usar a informação como veículo da formação do pensamento crítico. Todos de pé, a maioria ainda ignorante da metamorfose que neles se processava, outros com olhos quase submersos, reverenciavam o mestre e agradeciam aquela vivência que provavelmente nunca experimentaram antes. Em meio às palmas, que não queriam encerrar aquele momento, via-se nos rostos o inesquecível renascer de um impulso vital, há muito vacilante.

O Alexandre então nos leva, eu e livro, para conhecermos seu pai. Após as devidas apresentações, solícito e cordial me ouve falar do Dr. Hans e suas reservas, moral e ecológica, e à segunda página então desliza sua caligrafia em breve nota enquanto tece comentários sobre o litoral catarinense. Os alunos, se aproximando para a tradicional conversa ao pé d'ouvido, com deleite observam a obra sobremesa, rico trabalho editorial e fotográfico, e conseqüentemente distante de suas realidades. O professor folheia-a e discorre natureza, enxergando nas imagens as imagens que nossos olhos não vêem, ao som de interjeições admiradas e de silêncios incréus. Promete um exemplar à biblioteca do Cursinho e começa a responder perguntas as mais variadas. Passaríamos ali, todos, horas a fio, mas não há nada de mais eterno do que a lembrança de algo que não se queria encerrado. Entramos no capítulo das águas, ou da falta destas, e, na narrativa de um causo, o professor se despediu. Contou que um dia fora visitar o agreste pernambucano, próximo a Garanhuns e ao natal presidencial. Terra irrigada, de grandes fazendeiros, em se plantando tudo dava. Rumando leste, chegou às Alagoas, onde o sol e a pobreza não perdoam. Mudança clara de vegetação e hábitos, estes denotados pelos fortes odores que falta de banho e calor faziam emanar dos transeuntes, aquela invisível de tão rasteira. Na pensão para o pernoite, quase morreu de vergonha quando um seu assistente, novato nessas andanças pelo sertão, pediu para banhar-se (com água que não havia nem para beber). O professor percebera que, à margem da estrada, inúmeros recipientes vazios se enfileiravam admirando caminhões-pipa que passavam repletos e batidos ao oeste. Indagou a proprietária da hospedaria para que serviam:
- Aqueles baldes são pra quando vier o caminhão-pipa.
- Mas quando vem esse caminhão?
- Eu não sei quando é que vai 'vim', não senhor. O governo tá sem finança.
- Mas e esses caminhões-pipa que passam a todo momento na estrada? - indagou surpreso.
- Ah! - disse resignada - esses caminhões são pra levar água pro gado dos fazendeiros.

O professor levantou-se, despediu-se amavelmente de todos e se retirou. Acompanhei ele e seu filho até a porta do prédio, onde nos despedimos. Ele foi lentamente diminuindo na paisagem, levado por suas chinelas em passos já algo frágeis, trocando amenidades. Aquela figura simples e altiva parecia não ter consciência do que acabara de fazer, parecia não saber o alcance de suas palavras, parecia desconhecer a vastidão do campo que semeara.

Aziz Nacib Ab'Sáber: professor de todos nós."


Ao Márcio e à Bloca, um genuíno obrigado. Quem vier por bem que traga um amigo também.

quarta-feira, setembro 17, 2003

De Veneza.

Sem poder fumar, sem acentos e com as letras a fugirem das teclas, roucas de uso. Sem resistir a espreitar e com vontade de contar o que vou vendo.

sábado, setembro 13, 2003

Vou de férias.

O dedo que pressiona este isqueiro para ter chama está a ceder.

Português Suave 2

Comprei ontem o primeiro maço de Português Suave com a indicação garrafal de que “Prejudica gravemente a saúde”. Errado, prejudica graficamente a saúde. Obrigado, Tiago.

sexta-feira, setembro 12, 2003

Precisamos de boas frases.

É com “Precisava de uma boa frase.” que Rhidian Brook – publicitário e escritor - começa o seu livro “Cristo e o Publicitário”, editado pela Temas e Debates em 2000. É sobre boas frases e sobre os Senhores dos Slogans, que as fazem, que me proponho, utilizando alguma informação que fui recolhendo aqui e ali, discorrer durante um bocado.
Nuno Cardal e Rita Fragoso de Almeida, no livro comemorativo dos 65 anos da McCann-Erickson de 1994, contam-nos, a páginas tantas, que “Em 1928, Moitinho de Almeida aparece como agente da Coca-Cola em Portugal, encarregando Fernando Pessoa (que trabalhava para e com Manuel Martins da Hora) da respectiva publicidade, bem como da correspondência comercial com a empresa-mãe. É para este importante trabalho que o poeta criou o slogan «Primeiro estranha-se. Depois, entrenha-se.»”. E esclarecem de seguida: “O lançamento daquele refrigerante em Portugal, todavia, conhece uma forte oposição por parte das autoridades. O Dr. Ricardo Jorge, médico e escritor que na época desempenhava as funções de Director de Saúde de Lisboa, não achou que o produto devesse ser comercializado devido à existência, na sua constituição, de elementos susceptíveis de criar habituação. Habituação que poderia, inclusivamente, ser subentendida no próprio slogan. Dada a existência de tais entraves, só em meados da década de 70 o refrigerante americano pode ser comercializado em território nacional.” Com efeito, depois de tanta espera, foi com o slogan “A tal... agora em Portugal!” que a marca foi introduzida no nosso país. O envolvimento do poeta com a actividade publicitária não se ficou por aqui: “...foi, sem dúvida, um publicitário consciencioso e interessado como o documentam as suas «Considerações sobre um Projecto de Propaganda à Costa do Sol», texto que denota um profundo sentido do que hoje em dia designamos por «estratégia de comunicação».”, acrescentam. Mais à frente, no mesmo livro, Nuno Cardal e Rita Fragoso de Almeida referem ainda que, a título de “... curiosidade e relativamente ao trabalho desenvolvido pelo escritor no meio publicitário, (há) uma invenção a que o próprio Pessoa chamou «Advertising Crosswords»...Consistia este jogo em organizar palavras cruzadas cujas soluções corresponderiam a marcas comerciais. O aspecto mais interessante da invenção residia na circunstância de os clientes terem de pagar para que as suas marcas figurassem nas soluções.” E mais uma vez, isto é aquilo a que hoje recorrentemente designamos de Media Criativa.
Depois de Pessoa, vieram – e porventura estou por ignorância a igonar outros - Ary dos Santos e Alexandre O’Neill. Sobre este último, fala António Alçada Baptista no seu livro “Pesca à linha, algumas memórias”, da Editorial Presença de 1998. Naquele seu jeito de iluminar o passado com palavras, Alçada Baptista conta-nos que “O Alexandre andou pela publicidade e nela pôs também o seu fluxo criador. Infelizmente, o público não estava ainda preparado para algumas das suas audácias como aquela do lançamento do metropolitano que ele propunha, «Vá de Metro, Satanaz». O «Há mar e mar, há ir e voltar, tinha uma outra frase que não foi usada mas que eu acho melhor: «Passe um verão desafogado»”. E continua, satisfeito porque sabe que nos vai deliciar: ”Há uma história da publicidade, que não sei se se passou mesmo assim, mas que correu por Lisboa e não resisto a contar:
Um industrial do Norte, que fabricava os colchões Lusoespuma, foi à agência de publicidade e o dono da agência quis mostrar-lhe as instalações. Abriu uma sala onde estava o António Alfredo sentado num banco alto com estirador à frente. O dono da agência diz para o visitante:
- Aqui é a criação.
O António Alfredo subiu para o banco, pôs os braços em forma de asas e começou a carcarejar:
-Cócarócarócócó...
Passaram pelo gabinete do Alexandre e o senhor da agência apresentou-lhe o senhor dos colchões e disse-lhe:
- Tem que ir pensando numa frase para os colchões Lusoespuma. O Alexandre não demorou nada: «Com colchões Lusoespuma não se dá só uma.»”
Sobre ele próprio e a sua ligação à publicidade (numa recolha de textos de Laurinda Bom com o título “Passo tudo pela refinadora” da Notícias Editorial, 2003) escreve O’Neill: “Ser copywriter é uma actividade engraçada pelo lado da invenção de slogans, por exemplo. Só é chata quando o cliente não percebe as intenções e acha que tudo está mal. O jeito para o jogo de palavras, trocadilhos, etc.,vive comigo há muito tempo e tem-me prejudicado razoavelmente na poesia, embora agora esteja melhorzinho.”
Para mim, e imagino para quem que como eu está na casa dos trinta, é difícil esquecer esses “jogo de palavras” - os slogans – com os quais crescemos e aprendemos a repetir e brincar. “ Tão natural como a sua sede.”, “Vá para fora cá dentro.”, “Vá pelos seus dedos.”, “A cantar desde 1919.” e os mais recentes “Novidades, novidades é no ...” e “Onde estiver está lá.”, não sendo cultura erudita, são fragmentos que habitam o nosso imaginário colectivo. E muito importante, são também matéria prima para a literatura.
E com tudo isto ia-me esquecendo do que lhe tinha para dizer: que para além do “Cristo e do Publicitário” que comecei por referir, há dois outros livros recentes feitos por publicitários:
- “99 Francs” de Frederic Beigbeder, cujo título traduzido para português, depois da entrada em vigor da moeda única, redundou num pobre “14,99 Euros, A outra face da moeda”, da Editorial Presença; tem um cheirinho, mas só um cheirinho a Bret Easton Ellis;
- E a “Segunda Oportunidade” de Victor Elias, da Quenzal. O Vítor Elias, natural de Barrancos e meu querido colega, gaba-se com graça na contra-capa do livro de “ser um dos últimos seis barraquenhos que ainda não apareceu no noticiário”; a amizade que ficou não me impede de dizer que gostei de ler e ter uma “Segunda Oportunidade”.
“A publicidade está em todo o lado. E se é uma informação, também pode ser sedução. A publicidade está no romancista que escreve uma história para seduzir o leitor.” As palavras são de Alexandre O’Neill.
E é tudo, com a promessa de que voltarei ao tema.

quinta-feira, setembro 11, 2003

De volta.

À Praia das Maçãs e à nossa companhia. Logo no princípio da sua crónica na "Visão" desta semana, Lobo Antunes escreve:”A minha infância? O menino que deixei de ser tornou-se um antepassado...”

quarta-feira, setembro 10, 2003

Leituras de estimação.

Sexta-feira, noite alta, já Sábado. Os dias começam à noite. Sábado, Sábado mesmo, acorda a meio sem manhã e sem pressa. Viver e recuperar ao mesmo tempo. Ah, os dias, estranha forma de ressaca. Domingo, inteiro, junta a família ao almoço e à conversa, cá fora, onde o ar é livre e anda de um lado para o outro. E desculpa o barulho das crianças, do Martim e da Carolina, da Marta e da Inês, que jogam ali mesmo ao lado.
Acabo o almoço e escondo-me na leitura. Com uma crónica de José Eduardo Agualusa, na “Pública”, que nos conta “De como Cândida, a gansa, triunfou sobre Deus”. Duas vezes a li. Gosto de crónicas, gosto de ver a literatura no meio do urgente, em papel de jornal e revista. Quando voltará António Lobo Antunes de férias, à “Visão”? Quem trará para juntar ao “pobre pessoal e intransmissível” de cada uma das suas tias?

Sinto-me um radioamador assim a juntar palavras no éter. É bom voltar.

sexta-feira, setembro 05, 2003

Jazztel - Última hora

Para quem hoje ou amanhã calhar passar por Pombal e/ou irremediavelmente gostar de jazz. Tome nota: Bar Projecto Jazz, a partir das 23h00. Filipe Melo (também produtor e argumentista da curta-metragem "I'll see you in my dreams", a estrear brevemente) ao piano acompanha a voz (e o corpo, e a inteligência, etc) de Marta Hugon, minha colega de ofício que acabou de me dar a dica. Vão cantar e tocar temas do repertório de Rodgers & Hartz e de Horace Silver. Até já (repararou, resisti ao trocadilho fácil).

Afinal, quantos chapéus é que há?

Chapéus há muitos. Ponto. Há três. São velhos mas mágicos. E mais que suficientes para dois irmãos orfãos, João e José, que os herdaram da chapelaria do pai, partirem pelo mundo fora. E nós, o público, com eles. E para chegarem a um reino que se acha às voltas com um feitiço que o traz mergulhado numa profunda tristeza. E nós, miúdos e graúdos, todos miúdos, nós com eles. E tudo é feito ali num cenário que é literalmente um livro, passa a página, corre a peça. E nós sempre com eles.

Nessa tarde, entrei pela porta pequenina mas larga, larga da Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul para ver a peça infantil “Chapéus há muitos” de Carlos Manuel Rodrigues encenada por José BoaVida. E feita por alguns amigos. Com saber feito carinho. Foi em Maio e agora que a recordo ao escrever tenho pena que a Maria, a minha filha de ano e meio, não tenha visto a coragem do João e do José. Sei que se preparam para voltar à cena. Claro que voltarei a escrever sobre o Grupo, que se chama altaCena.

A Guilherme Cossoul tem uma história, muitas, com 117 anos. E a apenas uns dias de fazer mais um. Por lá passaram Alda Rodrigues, Alina Vaz, Raul Solnado, Varela Silva, Artur Semedo, Henrique Viana, Estrela Novais e tantos, tantos outros. E felizmente para aquela plateia de crianças, a Guilherme Cossoul também tem um presente, com o Hermínio Fernandes, o Miguel Santos, o Élio Coelho Luís, a Milú, o Filipe Lourenço, a Bloca e tantos, tantos outros. Gente boa, gente que vale a pena. E nós sempre com eles.

quinta-feira, setembro 04, 2003

De regresso.

Em Agosto, Lisboa e não só fica vazia e oca de gente. Se fosse cartoonista desenharia o país na oblíqua. Com o norte levantado, de pé – olhando sobranceiro a geografia acidentada da Europa. E o sul afundando, vergado ao peso excessivo de gente que não é sua. Se fosse arquitecto notaria – como fez uma amiga que o é – que Lisboa perde escala, fica mais pequena, que as suas distâncias se aproximam. Que não há centro e periferia, apenas alguns semáforos que nos param para deixar passar a brisa.

atrás das palavras 1

A cidade é um grande casario que desagua no Tejo. O rio, reconhecido, oferece a luz que se espalha branca pela calçada. Os meus olhos acabam por se fechar. Repousam agora no contorno imaginado das colinas, que acabei por emoldurar na memória. Lá fora, do lado direito dos sentidos, fica apenas um som, que o calor não esmaga, metálico. Da esplanada, das cadeiras verdes de encosto côncavo, cujas pernas se entrelaçam e se agitam à chegada de mais alguém.
- Bom dia Lisboooa! - grita um velho com a voz forte e suja da loucura que o acompanha por toda a parte. Procuro o grito com o olhar.
- Bom dia Lisboa. Amo-te - grita novamente a loucura, mas agora de mansinho.
- São os loucos de Lisboa - apressa-se, na mesa ao lado, uma mulher a desculpar a cena ao filho, repetindo em sussurro e sem querer o verso da canção. A cidade, daqui por onde costuma vir a estas horas pousar inteira e linda de morrer, responde ao velho com o seu eco. Acho que Lisboa ainda vai tendo a lucidez de não ficar indiferente à loucura dos seus velhos. Há desmazelo, não indiferença. Há pela cidade uma luz de fim de tarde, meiga. Estava a precisar do fim de tarde e de luz, da sua luz. Só esta luz sara as feridas todas. O velho também o sabe. A noite desce devagar e devagar empurra toda a luz que resta para um outro fim de tarde, mais longe.

quarta-feira, setembro 03, 2003

Português Suave.

A minha marca de cigarros tem um nome muito feliz. É uma boa síntese talvez não do que somos mas da forma como nos gostamos de ver, enquanto povo, leia-se.
Ao nome, a marca juntou faz já algum tempo, um dos melhores exercícios de design que tenho visto e que religiosamente me acompanha para todo o lado: a embagem é motro (modern + retro, como no anúncio da nissan). Tem o melhor de dois mundos, do passado e do futuro, até porque o bom gosto não é coisa para ser datada.
Se houver alguém capaz de me dizer a quem estou a fazer os elogios, o de a ter criado e o de a ter aprovado, agradeço.

Sobre o que somos e como deveriamos ser percepcionados veja aqui, uma opinião que corre o sério risco de vir a ser rapidamente esquecida. Talvez não nos meios do meio, os de publicidade e marketing mas nos outros, nos que interessam. E era pena. É uma análise séria, sobre a forma como deviamos posicionar e comunicar Portugal. É um muito bom exercício de exclusão de partes e de síntese de sínteses, como toda a boa publicidade e comunicação devem ter, antes da criatividade propriamente dita.


Para quem o ler, duas outras notas breves.

Discordo da crítica a "Warm by nature.". Tem muito do melhor que temos para dar.
O west não é consensual. Não o é à esquerda de Ana Gomes, inclusive. Não o é também à direita de Santana Lopes. O velhissímo west é a resposta genial porque consensual. Haja coragem, haja visão. Ou pelo menos, haja discussão, por favor. Voltarei aos temas, o de comunicar Portugal e ao Oeste.


Sonhos desfeitos.

Como é bom ir ao cinema sem expectativas, sem passar antes os olhos num jornal e nas, não raras vezes, incongruentes bolas da crítica, bolas para a crítica.
Aconteceu com Sonhos Desfeitos. É uma história simples e sem pretensões. Pressente-se que foi escrito e realizado pela mesma pessoa, Brad Silberling. E depois de o sabermos, é-nos relativamente fácil acreditar que se trata de um filme autobiográfico. Foi feito com o carinho que só um marceneiro empresta a cada retoque de plaina, a cada encosto de lixa numa aresta de um móvel por acabar. Ou por outras palavras: é bonito. Há livros que desfilam assim para os olhos numa tela de cinema.
Foi igualmente bom regressar ao Quarteto. O Quarteto é, com aquela sua esplanada interior, a sala de cinema. Mas não é tudo. Depois de alguns meses encerrada por litígio com o dono do cinema, pude aí voltar a beber a bica, acho que escusado será dizer, com o fumo de um português suave light.

terça-feira, setembro 02, 2003

Um blog em branco, primeira passa. "Isqueiro" porque a escrita e a leitura ficam a ganhar quando coincidem com um outro vício, o de fumar (fique descansado, gostava de reduzir do actual maço e meio, mas não me passa pela cabeça deixar de fumar). "Isqueiro", porque como um texto, um isqueiro é de quem o usa - é por isso que "A Resposta" de José Luís Peixoto (JL de 20.08) já é também minha. "Isqueiro", terceira passa, segundo cigarro, porque sei que, como o dedo que o pressiona para ter chama, também eu não vou aguentar muito por aqui. "Isqueiro", ainda, porque a quase totalidade do que aqui for escrito será descartável. "Isqueiro", por fim, porque tenho esperança de que este que aqui perco propositadamente me venha um dia destes parar às mãos. Para acender vícios e alguma vaidade.


Quem vier por bem, que traga um amigo também. Tudo para nunomelodasilva@yahoo.com

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