Acabo de ler Koba, o Terrível de Martin Amis. E volto às palavras com que Amis o abre:
“Eis a segunda frase de The Harvest of Sorrow: Soviet Collectivization and the Terror-Famine (A Ceifa da Dor: A Colectivização Soviética e o Terror-Fome), de Robert Conquest:
«No caso presente, podemos pôr isto em perspectiva se dissermos que nos actos aqui registados se perderam cerca de vinte vidas humanas, não por cada palavra, mas por cada letra deste livro.»
Esta frase representa 3140 vidas. O livro tem 411 páginas.
«Comia-se estrume de cavalo, em parte porque muitas vezes continha grãos inteiros de trigo» (1502 vidas)”
O livro continua. Letra a letra.
Já tinha lido sobre a ” perfeição negativa” - como Amis chama à vida durante o regime de Estaline. Já tinha lido longas passagens do Livro Negro do Comunismo e a lúcida reflexão de José Pacheco Perreira que constitui o prefácio à edição portuguesa. Já tinha lido Um dia na vida de Ivan Denisovitch de Soljenitsine, sobre o qual, Varlam Chamalov, autor dos Contos de Kolima – Kolima foi um dos mais duros campos soviéticos – sobre o qual Chamalov disse “poderia ter passado uma vida inteira muito feliz num campo descrito em Um dia na vida de Ivan Denisovitch” e este livro já é uma definição do horror, da ausência de luz. Já tinha lido Mil Novecentos e Oitenta e Quatro de Orwell... já tinha lido, o que é significativamente diferente de conhecer. Já tinha lido mas não foi suficiente, acho que nunca o será. A bestialidade é muito grande, não tem fim. A bestialidade surpreende a cada vez.
A crítica a Koba de Amis não é consensual. Pode ler alguma aqui. Mas para ser sincero pouco me interessa. A crítica a koba, a Estaline ainda não está completa. Faltam, pelo menos, quatorze letras: Correia do Norte.
Faltam muitas mais. Um dia havemos de as juntar, para ler o horror. A bestialidade surpreende a cada vez.
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