segunda-feira, setembro 29, 2003

De Paris.

O Outono caiu no chão das ruas de Paris. A temperatura está excepcionalmente amena. Aos poucos, vou recuperando uma cidade que já foi minha por quase um ano. No taxi, os olhos fazem o percurso de sempre, vão para cima. São atraídos, não pela monumentalidade dos edifícios do Império, mas pelos jardins dos seus terraços, pela mistura do barro frio, ardósias e zinco dos seus telhados, pelo número excessivo das suas chaminés, uma lareira por quarto. Os olhos, os homens, não resistem à possibilidade de comtemplar uma cidade de uma ponta à outra, como um todo. E Paris tem ainda hoje a visionária geometria que Hussman lhe concedeu para triunfo do engenho sobre as circunstâncias. Nesta cidade sempre me senti bem e sempre fui tratado com genenosidade. Contra os preconceitos em que cresci, os amigos que aqui fiz abriram-me as portas das suas casas, dos seus interesses, paixões e tristezas. É aqui onde ainda acabo um almoço tarde já muito perto do jantar. Mas foi em Paris que acordei muitas manhãs longe. Cada vez que aqui volto, há um vento interior que me balança e que me traz à memória gente que fui perdendo. Por todos os lados, na minha vida. Por essa razão sou distraído, para não sofrer muito.

sexta-feira, setembro 26, 2003

Portugues Suave 3.

Agora foi o nome, roubaram o "Suave", roubaram a graça, roubaram tudo. Caramba, os avisos eu compreendo e respeito, ja isto nao. "Português Tranquilo", fica a sugestao.

Bon

é o restaurante, com uma intervençao gotica de Philippe Starck, onde ontem jantei. Fica no seizième, na rue de la pompe, 25 em Paris. E aqui. Vale a pena, faz jus ao nome.

Suicidio

de amor por um defunto desconhecido de Angélica Liddel estreia hoje, pela mao do grupo altaCena, na centenaria Guilherme Cossoul, onde vai ficar durante algum tempo, todas as sextas e sabados, as 22h00. A Guilherme Cossoul fica ali em Santos, no 61 da D. Carlos I. Para saber mais sobre a peça, veja aqui. Para saber tudo, va la.
E nos com eles, com muito carinho. Longe dos amigos e dos acentos.

quarta-feira, setembro 24, 2003

A primeira de muitas desculpas.

Não consegui ainda escrever nada sobre o que vi em Veneza, de onde ainda não saí do aeroporto. Gostava de falar sobre duas exposições da Bienal, por exemplo. Ou de aqui afixar uma foto - ainda não descobri como se faz - roubada à manhã agitada do mercado de Pádua. E já estou de partida para Paris. Vou tentar. É assim, não há muito mais a dizer. Um blog pode virar uma angústia, mas não deve. A disponibilidade, a vontade e a oportunidade vão fintar, muitas vezez, a cronologia.

Escrever sobre Veneza, cidade onde Thomas Mann previu e Visconti filmou a decadência da Europa, nem pensar. Já sobre a velha Europa ou a velha decadência da Europa apetece-me muito. E Paris pode ser um bom local para o fazer. Promessas.

terça-feira, setembro 23, 2003

De Veneza 2, os aeroportos.

Lisboa-Milão-aeroportos-tempos-mortos-Veneza. Quando era miúdo, os aeroportos, o de Lisboa era o único que conhecia, eram um local especial. Os meus pais obrigavam-me a vestir uma roupa melhor para aí ir levar e buscar a minha irmã mais velha (mais velha mesmo) que, por amor à Microbiologia, se deslocava frequentemente ao estrangeiro, que só mais tarde aprendi ser Paris. Dos aeroportos e das minhas irmãs, pais e tios que a estes chegavam, recebia brinquedos que nem sabia existir: comboios que entravam nas montanhas, autocarros ingleses de dois pisos de vermelho vivo, lápis gigantes de várias cidades do frio da Europa. Recordo-me da admiração que sentia pelo meu pai que duas palavras simpáticas com o guarda depois conseguia ir buscar a minha irmã “lá dentro”, às bagagens. Lembro-me ainda de brincar no chão enorme e espelhado de luz e lembro-me das hospedeiras e de uma em particular, a P., amiga da minha irmã. Muito, muito bonita e sempre aprumada na pintura e farda, cujas listas verde, encarnada e amarela começavam na mala e acabavam na parte de trás dos sapatos. A cada visita os aeroportos estavam sempre cheios das cores e sons genuinamente novos: dos perfumes, dos dois toques que precediam os avisos em inglês que ecoavam dos altifalantes, dos motivos dos lenços e gravatas, de doces e dos papeis de embrulho-prata dos bombons. Doces, muitos doces entre algumas lágrimas que também via mas não entendia. Deixei de gostar de aeroportos quando descobri que já não era só o amor à ciência que retinha a minha irmã, por períodos cada vez mais longos, em Paris, por onde ainda hoje continua a ser feliz. Hoje sei que os aeroportos são locais pasteurizados, feitos com um sono anónimo, de passagem. De pressa ou de uma espera estúpida, que nos obriga a reparar que as plantas, as luzes, os luxos e os tectos são falsos. E as hospedeiras, as hospedeiras de hoje parece-me que usam sempre o número de farda abaixo e o número de pintura acima. Com os aeroportos aconteceu mais ou menos a mesma coisa: não souberam envelhecer. As expectativas não crescem com a idade, connosco, as boas recordações sim.

segunda-feira, setembro 22, 2003

Dos amigos, para ler devagar.

A Bloca, uma amiga, dando-me a ler um texto de um amigo seu, fez-me um favor. Ela avisou-me no mail que me enviou:
“Este meu queridíssimo amigo escreve, escreve-me e deixa-me sempre um bocadinho mais feliz.” E prescreveu-me o seguinte “Modo de preparo:
-Reservar 5 min.
-Desligar o telefone
-Acender um cigarro
-Ficar molinho e deixar entrar devagar....”
O seu amigo e autor do texto é Márcio Mendes Gomes, médico, brasileiro. E o texto começa assim.

"Réquiem do caminhão-pipa

Manhã de sábado, era um sol quase dez horas. Chegava eu à Casa de Arnaldo, prédio da faculdade de medicina da USP, para assistir à palestra do professor Aziz Nacib Ab'Sáber. Atrasado adentrei a sala e, da arquibancada plena, olhos em mim não se deitaram. Os alunos de segundo grau de escolas públicas trocavam as horas livres pela admiração do pensamento livre do quase octagenário mestre que conheciam apenas das legendas de seus livros de geografia. Qualquer que seja o mote, clima, solo ou vegetação, o mapa nacional alberga seu sempre signatário de origem árabe. A oportunidade lhes era oferecida pelos incansáveis organizadores do cursinho pré-vestibular med-ensina, alunos do curso de graduação em medicina que se dispõem, sem remuneração, a ministrar o curso preparatório nas suas raras horas vagas.

Eu, médico formado naquela casa, levava comigo o livro "Litoral do Brasil", obra do além de tudo geógrafo que nos iluminava do tablado. Tratava-se de uma lembrança que enviaria ao Dr. Hans Japp, conselheiro da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação em Brasília, e à sua esposa Lúcia, filósofa e estatística, com os quais eu trabalhara e deliciosamente compartilhara prosas frívolas e filosóficas. O casal Japp alimenta especial interesse pelas ciências humanas e naturais, tendo construído por iniciativa e recursos próprios uma reserva ecológica na região de Portobelo, litoral catarinense, onde proporcionam, contra tudo e contra todos, preservação da flora e educação ambiental, para tudo e para todos.

A minha estória com o professor Aziz, começou no segundo grau, quando frente àqueles mapas complexos me deparei com seu nome, que de tão árabe, me causou estranheza. Me perguntava como uma pessoa, que nem brasileira me soava, sabia tanto acerca de nossa acidentada terra brasilis. Guardei seus nome e sobrenomes, não por capricho, mas apreço, que aumentava a cada vez que uma sua obra por mim passava. Já na universidade, soube de um contemporâneo de nome Alexandre seu sobrenome Ab'Sáber e descobri ser ele filho do professor. Apesar de orgulhoso, ele estava antes surpreso da minha satisfação, pois seu pai jamais havia freqüentado flashes, spots ou literatura médica. Anos mais tarde, quando me decidi como agradeceria ao Dr. Hans, procurei meu colega para finalmente conhecer o professor e dele roubar dedicatória. Foi quando a palestra apareceu e à qual voltamos.

Mais do que ninguém, o professor Aziz sabe da ilusória altura do conhecimento não compartilhado, assim como conhece a inutilidade da comunicação que não atinge o interlocutor, e então fazia da aula uma conversa informal, na qual, através da formação do solo e do clima no Brasil, transmitia valores fundamentais para a formação global do indivíduo e de uma sociedade justa. Sem pretensões de sábio, incutia na cabeça de cada aluno, não de forma doutrinária, mas exemplar, valores de cidadania. A sua presença naquela sala, objetiva e simbolicamente, esbanjava responsabilidade social. Sua postura igual, desprovida de soberba e elitismo, contrastava a classe dominante que se tem com a que se quer. Remontando aos tempos do início de sua atividade acadêmica, falou com reverência crítica aos mestres estrangeiros, consecutivamente estimulando a auto-estima ao afastar a subserviência científica e pessoal, quando defendeu suas próprias hipóteses que contradiziam os mestres além-mar e que se mostraram corretas. Afirmando valores democráticos, se aproveitou sutilmente da contemporaneidade de sua produção científica com a ditadura para criticá-la, de forma aguda mas não revanchista, atacando-a em seu ponto mais indefensável: o aprisionamento de idéias. Desenhando a giz o Pão de Açucar no quadro negro, exibiu a importância da multidisciplinaridade nas ciências e transpôs este conceito para a sociedade civil ao falar de maneira próxima e respeitosa do "meu amigo Lula", criticando seu governo positiva ou negativamente, mas sempre qualificadamente, e escancarando o lado mais louvável da democracia: o debate de idéias. Das críticas às políticas assistencialistas extraiu a natureza libertária da educação como agente de transformação da sociedade. Olhos nos olhos dos estudantes, completamente extasiados, sem pieguice ou demagogia, mostrou-lhes que eles serão fundamentais nesta transformação, não por bravatas patrióticas toscas, mas apenas lhes atribuindo responsabilidade ao exigir que eles assumissem seu papel como seres políticos, como cidadãos. En passant, geografia. O professor fez o que raros no exercício do magistério sabem fazer: usar a informação como veículo da formação do pensamento crítico. Todos de pé, a maioria ainda ignorante da metamorfose que neles se processava, outros com olhos quase submersos, reverenciavam o mestre e agradeciam aquela vivência que provavelmente nunca experimentaram antes. Em meio às palmas, que não queriam encerrar aquele momento, via-se nos rostos o inesquecível renascer de um impulso vital, há muito vacilante.

O Alexandre então nos leva, eu e livro, para conhecermos seu pai. Após as devidas apresentações, solícito e cordial me ouve falar do Dr. Hans e suas reservas, moral e ecológica, e à segunda página então desliza sua caligrafia em breve nota enquanto tece comentários sobre o litoral catarinense. Os alunos, se aproximando para a tradicional conversa ao pé d'ouvido, com deleite observam a obra sobremesa, rico trabalho editorial e fotográfico, e conseqüentemente distante de suas realidades. O professor folheia-a e discorre natureza, enxergando nas imagens as imagens que nossos olhos não vêem, ao som de interjeições admiradas e de silêncios incréus. Promete um exemplar à biblioteca do Cursinho e começa a responder perguntas as mais variadas. Passaríamos ali, todos, horas a fio, mas não há nada de mais eterno do que a lembrança de algo que não se queria encerrado. Entramos no capítulo das águas, ou da falta destas, e, na narrativa de um causo, o professor se despediu. Contou que um dia fora visitar o agreste pernambucano, próximo a Garanhuns e ao natal presidencial. Terra irrigada, de grandes fazendeiros, em se plantando tudo dava. Rumando leste, chegou às Alagoas, onde o sol e a pobreza não perdoam. Mudança clara de vegetação e hábitos, estes denotados pelos fortes odores que falta de banho e calor faziam emanar dos transeuntes, aquela invisível de tão rasteira. Na pensão para o pernoite, quase morreu de vergonha quando um seu assistente, novato nessas andanças pelo sertão, pediu para banhar-se (com água que não havia nem para beber). O professor percebera que, à margem da estrada, inúmeros recipientes vazios se enfileiravam admirando caminhões-pipa que passavam repletos e batidos ao oeste. Indagou a proprietária da hospedaria para que serviam:
- Aqueles baldes são pra quando vier o caminhão-pipa.
- Mas quando vem esse caminhão?
- Eu não sei quando é que vai 'vim', não senhor. O governo tá sem finança.
- Mas e esses caminhões-pipa que passam a todo momento na estrada? - indagou surpreso.
- Ah! - disse resignada - esses caminhões são pra levar água pro gado dos fazendeiros.

O professor levantou-se, despediu-se amavelmente de todos e se retirou. Acompanhei ele e seu filho até a porta do prédio, onde nos despedimos. Ele foi lentamente diminuindo na paisagem, levado por suas chinelas em passos já algo frágeis, trocando amenidades. Aquela figura simples e altiva parecia não ter consciência do que acabara de fazer, parecia não saber o alcance de suas palavras, parecia desconhecer a vastidão do campo que semeara.

Aziz Nacib Ab'Sáber: professor de todos nós."


Ao Márcio e à Bloca, um genuíno obrigado. Quem vier por bem que traga um amigo também.

quarta-feira, setembro 17, 2003

De Veneza.

Sem poder fumar, sem acentos e com as letras a fugirem das teclas, roucas de uso. Sem resistir a espreitar e com vontade de contar o que vou vendo.

sábado, setembro 13, 2003

Vou de férias.

O dedo que pressiona este isqueiro para ter chama está a ceder.

Português Suave 2

Comprei ontem o primeiro maço de Português Suave com a indicação garrafal de que “Prejudica gravemente a saúde”. Errado, prejudica graficamente a saúde. Obrigado, Tiago.

sexta-feira, setembro 12, 2003

Precisamos de boas frases.

É com “Precisava de uma boa frase.” que Rhidian Brook – publicitário e escritor - começa o seu livro “Cristo e o Publicitário”, editado pela Temas e Debates em 2000. É sobre boas frases e sobre os Senhores dos Slogans, que as fazem, que me proponho, utilizando alguma informação que fui recolhendo aqui e ali, discorrer durante um bocado.
Nuno Cardal e Rita Fragoso de Almeida, no livro comemorativo dos 65 anos da McCann-Erickson de 1994, contam-nos, a páginas tantas, que “Em 1928, Moitinho de Almeida aparece como agente da Coca-Cola em Portugal, encarregando Fernando Pessoa (que trabalhava para e com Manuel Martins da Hora) da respectiva publicidade, bem como da correspondência comercial com a empresa-mãe. É para este importante trabalho que o poeta criou o slogan «Primeiro estranha-se. Depois, entrenha-se.»”. E esclarecem de seguida: “O lançamento daquele refrigerante em Portugal, todavia, conhece uma forte oposição por parte das autoridades. O Dr. Ricardo Jorge, médico e escritor que na época desempenhava as funções de Director de Saúde de Lisboa, não achou que o produto devesse ser comercializado devido à existência, na sua constituição, de elementos susceptíveis de criar habituação. Habituação que poderia, inclusivamente, ser subentendida no próprio slogan. Dada a existência de tais entraves, só em meados da década de 70 o refrigerante americano pode ser comercializado em território nacional.” Com efeito, depois de tanta espera, foi com o slogan “A tal... agora em Portugal!” que a marca foi introduzida no nosso país. O envolvimento do poeta com a actividade publicitária não se ficou por aqui: “...foi, sem dúvida, um publicitário consciencioso e interessado como o documentam as suas «Considerações sobre um Projecto de Propaganda à Costa do Sol», texto que denota um profundo sentido do que hoje em dia designamos por «estratégia de comunicação».”, acrescentam. Mais à frente, no mesmo livro, Nuno Cardal e Rita Fragoso de Almeida referem ainda que, a título de “... curiosidade e relativamente ao trabalho desenvolvido pelo escritor no meio publicitário, (há) uma invenção a que o próprio Pessoa chamou «Advertising Crosswords»...Consistia este jogo em organizar palavras cruzadas cujas soluções corresponderiam a marcas comerciais. O aspecto mais interessante da invenção residia na circunstância de os clientes terem de pagar para que as suas marcas figurassem nas soluções.” E mais uma vez, isto é aquilo a que hoje recorrentemente designamos de Media Criativa.
Depois de Pessoa, vieram – e porventura estou por ignorância a igonar outros - Ary dos Santos e Alexandre O’Neill. Sobre este último, fala António Alçada Baptista no seu livro “Pesca à linha, algumas memórias”, da Editorial Presença de 1998. Naquele seu jeito de iluminar o passado com palavras, Alçada Baptista conta-nos que “O Alexandre andou pela publicidade e nela pôs também o seu fluxo criador. Infelizmente, o público não estava ainda preparado para algumas das suas audácias como aquela do lançamento do metropolitano que ele propunha, «Vá de Metro, Satanaz». O «Há mar e mar, há ir e voltar, tinha uma outra frase que não foi usada mas que eu acho melhor: «Passe um verão desafogado»”. E continua, satisfeito porque sabe que nos vai deliciar: ”Há uma história da publicidade, que não sei se se passou mesmo assim, mas que correu por Lisboa e não resisto a contar:
Um industrial do Norte, que fabricava os colchões Lusoespuma, foi à agência de publicidade e o dono da agência quis mostrar-lhe as instalações. Abriu uma sala onde estava o António Alfredo sentado num banco alto com estirador à frente. O dono da agência diz para o visitante:
- Aqui é a criação.
O António Alfredo subiu para o banco, pôs os braços em forma de asas e começou a carcarejar:
-Cócarócarócócó...
Passaram pelo gabinete do Alexandre e o senhor da agência apresentou-lhe o senhor dos colchões e disse-lhe:
- Tem que ir pensando numa frase para os colchões Lusoespuma. O Alexandre não demorou nada: «Com colchões Lusoespuma não se dá só uma.»”
Sobre ele próprio e a sua ligação à publicidade (numa recolha de textos de Laurinda Bom com o título “Passo tudo pela refinadora” da Notícias Editorial, 2003) escreve O’Neill: “Ser copywriter é uma actividade engraçada pelo lado da invenção de slogans, por exemplo. Só é chata quando o cliente não percebe as intenções e acha que tudo está mal. O jeito para o jogo de palavras, trocadilhos, etc.,vive comigo há muito tempo e tem-me prejudicado razoavelmente na poesia, embora agora esteja melhorzinho.”
Para mim, e imagino para quem que como eu está na casa dos trinta, é difícil esquecer esses “jogo de palavras” - os slogans – com os quais crescemos e aprendemos a repetir e brincar. “ Tão natural como a sua sede.”, “Vá para fora cá dentro.”, “Vá pelos seus dedos.”, “A cantar desde 1919.” e os mais recentes “Novidades, novidades é no ...” e “Onde estiver está lá.”, não sendo cultura erudita, são fragmentos que habitam o nosso imaginário colectivo. E muito importante, são também matéria prima para a literatura.
E com tudo isto ia-me esquecendo do que lhe tinha para dizer: que para além do “Cristo e do Publicitário” que comecei por referir, há dois outros livros recentes feitos por publicitários:
- “99 Francs” de Frederic Beigbeder, cujo título traduzido para português, depois da entrada em vigor da moeda única, redundou num pobre “14,99 Euros, A outra face da moeda”, da Editorial Presença; tem um cheirinho, mas só um cheirinho a Bret Easton Ellis;
- E a “Segunda Oportunidade” de Victor Elias, da Quenzal. O Vítor Elias, natural de Barrancos e meu querido colega, gaba-se com graça na contra-capa do livro de “ser um dos últimos seis barraquenhos que ainda não apareceu no noticiário”; a amizade que ficou não me impede de dizer que gostei de ler e ter uma “Segunda Oportunidade”.
“A publicidade está em todo o lado. E se é uma informação, também pode ser sedução. A publicidade está no romancista que escreve uma história para seduzir o leitor.” As palavras são de Alexandre O’Neill.
E é tudo, com a promessa de que voltarei ao tema.

quinta-feira, setembro 11, 2003

De volta.

À Praia das Maçãs e à nossa companhia. Logo no princípio da sua crónica na "Visão" desta semana, Lobo Antunes escreve:”A minha infância? O menino que deixei de ser tornou-se um antepassado...”

quarta-feira, setembro 10, 2003

Leituras de estimação.

Sexta-feira, noite alta, já Sábado. Os dias começam à noite. Sábado, Sábado mesmo, acorda a meio sem manhã e sem pressa. Viver e recuperar ao mesmo tempo. Ah, os dias, estranha forma de ressaca. Domingo, inteiro, junta a família ao almoço e à conversa, cá fora, onde o ar é livre e anda de um lado para o outro. E desculpa o barulho das crianças, do Martim e da Carolina, da Marta e da Inês, que jogam ali mesmo ao lado.
Acabo o almoço e escondo-me na leitura. Com uma crónica de José Eduardo Agualusa, na “Pública”, que nos conta “De como Cândida, a gansa, triunfou sobre Deus”. Duas vezes a li. Gosto de crónicas, gosto de ver a literatura no meio do urgente, em papel de jornal e revista. Quando voltará António Lobo Antunes de férias, à “Visão”? Quem trará para juntar ao “pobre pessoal e intransmissível” de cada uma das suas tias?

Sinto-me um radioamador assim a juntar palavras no éter. É bom voltar.

sexta-feira, setembro 05, 2003

Jazztel - Última hora

Para quem hoje ou amanhã calhar passar por Pombal e/ou irremediavelmente gostar de jazz. Tome nota: Bar Projecto Jazz, a partir das 23h00. Filipe Melo (também produtor e argumentista da curta-metragem "I'll see you in my dreams", a estrear brevemente) ao piano acompanha a voz (e o corpo, e a inteligência, etc) de Marta Hugon, minha colega de ofício que acabou de me dar a dica. Vão cantar e tocar temas do repertório de Rodgers & Hartz e de Horace Silver. Até já (repararou, resisti ao trocadilho fácil).

Afinal, quantos chapéus é que há?

Chapéus há muitos. Ponto. Há três. São velhos mas mágicos. E mais que suficientes para dois irmãos orfãos, João e José, que os herdaram da chapelaria do pai, partirem pelo mundo fora. E nós, o público, com eles. E para chegarem a um reino que se acha às voltas com um feitiço que o traz mergulhado numa profunda tristeza. E nós, miúdos e graúdos, todos miúdos, nós com eles. E tudo é feito ali num cenário que é literalmente um livro, passa a página, corre a peça. E nós sempre com eles.

Nessa tarde, entrei pela porta pequenina mas larga, larga da Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul para ver a peça infantil “Chapéus há muitos” de Carlos Manuel Rodrigues encenada por José BoaVida. E feita por alguns amigos. Com saber feito carinho. Foi em Maio e agora que a recordo ao escrever tenho pena que a Maria, a minha filha de ano e meio, não tenha visto a coragem do João e do José. Sei que se preparam para voltar à cena. Claro que voltarei a escrever sobre o Grupo, que se chama altaCena.

A Guilherme Cossoul tem uma história, muitas, com 117 anos. E a apenas uns dias de fazer mais um. Por lá passaram Alda Rodrigues, Alina Vaz, Raul Solnado, Varela Silva, Artur Semedo, Henrique Viana, Estrela Novais e tantos, tantos outros. E felizmente para aquela plateia de crianças, a Guilherme Cossoul também tem um presente, com o Hermínio Fernandes, o Miguel Santos, o Élio Coelho Luís, a Milú, o Filipe Lourenço, a Bloca e tantos, tantos outros. Gente boa, gente que vale a pena. E nós sempre com eles.

quinta-feira, setembro 04, 2003

De regresso.

Em Agosto, Lisboa e não só fica vazia e oca de gente. Se fosse cartoonista desenharia o país na oblíqua. Com o norte levantado, de pé – olhando sobranceiro a geografia acidentada da Europa. E o sul afundando, vergado ao peso excessivo de gente que não é sua. Se fosse arquitecto notaria – como fez uma amiga que o é – que Lisboa perde escala, fica mais pequena, que as suas distâncias se aproximam. Que não há centro e periferia, apenas alguns semáforos que nos param para deixar passar a brisa.

atrás das palavras 1

A cidade é um grande casario que desagua no Tejo. O rio, reconhecido, oferece a luz que se espalha branca pela calçada. Os meus olhos acabam por se fechar. Repousam agora no contorno imaginado das colinas, que acabei por emoldurar na memória. Lá fora, do lado direito dos sentidos, fica apenas um som, que o calor não esmaga, metálico. Da esplanada, das cadeiras verdes de encosto côncavo, cujas pernas se entrelaçam e se agitam à chegada de mais alguém.
- Bom dia Lisboooa! - grita um velho com a voz forte e suja da loucura que o acompanha por toda a parte. Procuro o grito com o olhar.
- Bom dia Lisboa. Amo-te - grita novamente a loucura, mas agora de mansinho.
- São os loucos de Lisboa - apressa-se, na mesa ao lado, uma mulher a desculpar a cena ao filho, repetindo em sussurro e sem querer o verso da canção. A cidade, daqui por onde costuma vir a estas horas pousar inteira e linda de morrer, responde ao velho com o seu eco. Acho que Lisboa ainda vai tendo a lucidez de não ficar indiferente à loucura dos seus velhos. Há desmazelo, não indiferença. Há pela cidade uma luz de fim de tarde, meiga. Estava a precisar do fim de tarde e de luz, da sua luz. Só esta luz sara as feridas todas. O velho também o sabe. A noite desce devagar e devagar empurra toda a luz que resta para um outro fim de tarde, mais longe.

quarta-feira, setembro 03, 2003

Português Suave.

A minha marca de cigarros tem um nome muito feliz. É uma boa síntese talvez não do que somos mas da forma como nos gostamos de ver, enquanto povo, leia-se.
Ao nome, a marca juntou faz já algum tempo, um dos melhores exercícios de design que tenho visto e que religiosamente me acompanha para todo o lado: a embagem é motro (modern + retro, como no anúncio da nissan). Tem o melhor de dois mundos, do passado e do futuro, até porque o bom gosto não é coisa para ser datada.
Se houver alguém capaz de me dizer a quem estou a fazer os elogios, o de a ter criado e o de a ter aprovado, agradeço.

Sobre o que somos e como deveriamos ser percepcionados veja aqui, uma opinião que corre o sério risco de vir a ser rapidamente esquecida. Talvez não nos meios do meio, os de publicidade e marketing mas nos outros, nos que interessam. E era pena. É uma análise séria, sobre a forma como deviamos posicionar e comunicar Portugal. É um muito bom exercício de exclusão de partes e de síntese de sínteses, como toda a boa publicidade e comunicação devem ter, antes da criatividade propriamente dita.


Para quem o ler, duas outras notas breves.

Discordo da crítica a "Warm by nature.". Tem muito do melhor que temos para dar.
O west não é consensual. Não o é à esquerda de Ana Gomes, inclusive. Não o é também à direita de Santana Lopes. O velhissímo west é a resposta genial porque consensual. Haja coragem, haja visão. Ou pelo menos, haja discussão, por favor. Voltarei aos temas, o de comunicar Portugal e ao Oeste.


Sonhos desfeitos.

Como é bom ir ao cinema sem expectativas, sem passar antes os olhos num jornal e nas, não raras vezes, incongruentes bolas da crítica, bolas para a crítica.
Aconteceu com Sonhos Desfeitos. É uma história simples e sem pretensões. Pressente-se que foi escrito e realizado pela mesma pessoa, Brad Silberling. E depois de o sabermos, é-nos relativamente fácil acreditar que se trata de um filme autobiográfico. Foi feito com o carinho que só um marceneiro empresta a cada retoque de plaina, a cada encosto de lixa numa aresta de um móvel por acabar. Ou por outras palavras: é bonito. Há livros que desfilam assim para os olhos numa tela de cinema.
Foi igualmente bom regressar ao Quarteto. O Quarteto é, com aquela sua esplanada interior, a sala de cinema. Mas não é tudo. Depois de alguns meses encerrada por litígio com o dono do cinema, pude aí voltar a beber a bica, acho que escusado será dizer, com o fumo de um português suave light.

terça-feira, setembro 02, 2003

Um blog em branco, primeira passa. "Isqueiro" porque a escrita e a leitura ficam a ganhar quando coincidem com um outro vício, o de fumar (fique descansado, gostava de reduzir do actual maço e meio, mas não me passa pela cabeça deixar de fumar). "Isqueiro", porque como um texto, um isqueiro é de quem o usa - é por isso que "A Resposta" de José Luís Peixoto (JL de 20.08) já é também minha. "Isqueiro", terceira passa, segundo cigarro, porque sei que, como o dedo que o pressiona para ter chama, também eu não vou aguentar muito por aqui. "Isqueiro", ainda, porque a quase totalidade do que aqui for escrito será descartável. "Isqueiro", por fim, porque tenho esperança de que este que aqui perco propositadamente me venha um dia destes parar às mãos. Para acender vícios e alguma vaidade.


Quem vier por bem, que traga um amigo também. Tudo para nunomelodasilva@yahoo.com

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