terça-feira, março 30, 2004

De volta.

Passou já algum tempo, mais de um mês e meio, desde a última vez que aqui escrevi. É porventura um intervalo de tempo demasiado longo para um meio tão sôfrego como este. É assim, não sem receio, que regresso ao isqueiro. Receio que aumenta por saber que dificilmente conseguirei manter a regularidade que gostaria.

Lá fora a vida continuou. Logo nos primeiros dias de Março tive a felicidade de poder descobrir Sarajevo. Em paz (infelizmente alguns dias depois e ali mesmo ao lado, no Kosovo, Albaneses e Sérvios voltaram a levar a morte uns aos outros). Se viajar, e descobrir e aprender, é um exercício de humildade, entrar na capital da Bósnia-Herzegovina é-o por maioria de razão. Na estrada que nos conduz do aeroporto até ao centro da cidade é impossível não reparar em vários cartazes 8x3 que exibem armas. Pergunto o que significa e a resposta sai da boca do taxista com absoluta naturalidade: é afinal uma campanha que apela à entrega de armas pelos civis.

Sarajevo é um lugar invulgar, começa plana no centro, começa cidade, e acaba aldeia, com as pequenas moradias que se espalham pelas montanhas. E que agora rodeiam a cidade de branco. No centro, na Avenida Marechal Tito, o Império Austro-Húngaro está a um edifício de distância do Otomano, a Europa e a Ásia cara-a-cara. Cada império a puxar a avenida para o seu lado, cortando-a literalmente ao meio com as respectivas influências arquitetónicas. Os dois impérios assim como a Europa implodiram com a primeira grande guerra, cujo início se evoca numa discreta placa colocada num velho edifício, no preciso local onde o Arquiduque Francisco Fernando foi assassinado em 1914, a escassos 300 metros do Hotel onde fiquei. É uma cidade onde muito se perde mas tudo se acumula. Mesquitas, igrejas ortodoxas e católicas e sinagogas separadas pelo frio das ruas. Alguns séculos assim percorridos em poucos passos. Em frente do meu hotel fica o antigo edifício do parlamento, hoje uma estrutura de betão preto pelo fogo que o consumiu por dentro. É, com a antiga biblioteca da cidade, já em reconstrução, e alguns sinais de disparos nas fachadas de uns quantos edifícios – que os meus olhos se vão habituando a procurar – a marca da última guerra da Europa. Tudo se acumula, da confusão do bazar muçulmano, do centro, aos anónimos blocos de apartamentos do período socialista, já na periferia. Tudo se acumula, esperança , muita esperança.

Fui a Sarajevo pelo mais improvável dos motivos. Participar na segunda edição do Festival de Publicidade da cidade (se quiser tentar, aqui fica o linque). A futilidade, a sua simples existência, é muitas vezes, e aqui muito em particular, razão de esperança. E é assim, gostaria de poder continuar, mas de lá de fora a pressa chama.

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